comum, parágrafo
Isto é uma morte. Uma lápide. Uma inscrição na pedra, um absurdo comemorativo da saudade. Um canto apertado. Poético ou não, ver-se-á em anos ainda longe. Não é um adeus porque não consta que os cadáveres se movam. (Esta ficção não acredita em múmias impregnadas de vida colérica, esfomeadas, atrás das crianças de olhos esbugalhados.) As mãos são curtas ao lado do corpo – já não vestem anéis, nem com eles se queriam enterrar: estão bem reservados, a corações em flor, a olhares joviais, espantados por estarem vivos, como ia dizendo o querido José Gomes Ferreira.
Esta conversa é ligeira. (É tanto o que vos quero dizer que não cabe aqui!) Está na hora de perder de vista o casco e limitá-lo à moldura elíptica de uma fotografia – pintada de amarelo, mais cedo ou mais tarde, e por fim esquecida. Um enterro deveria ser espaço privilegiado para as palmas – as lágrimas não fazem sentido à inevitabilidade e a memória é o terraço com vista para o mar.
O ComUM fecha a edição amanhã, dia 31. Vai maturar-se para as ruas, descansar nos braços apressados dos leitores, sua razão – se primeira ou última, não importa a estas linhas. Volta no próximo ano lectivo. Não regresso a ele. Arrumo hoje a secretária. Fica tudo limpo, espero. Desligo o candeeiro e encosto a porta – as portas não se fecham. Digo-vos com isto adeus e deixo-vos com uma responsabilidade grave: deixo-vos um rebento nas mãos. Não me apoquenta: quem sai de casa sou eu e não ele; o núcleo familiar deve continuar o mesmo – não há perigos.
Gostava de vos ter dedicado muito mais tempo. Partilhado mais paixões. Gostava de ter escrito lado a lado convosco. Não o fiz por pura incapacidade organizativa. Afinal, o tempo rende aos metódicos. Não sou desses – com infelicidade, acreditem.
Não vou discorrer longamente sobre a cultura, sobre a nossa cultura, sobre as nossas opções, sobre as nossas motivações e vontades. Nem de jornalismo disto ou daquilo. Deste ou do outro erro. (As quezilas não são sequer para aqui chamadas.) Fica um curto pedido: não permitam que a cultura se transforme no parente pobre dos jornais, atentem na porta vizinha – as coisas pequenas também são bonitas. E um legado muito simples: sejam apaixonados. Sejam apaixonados…
Para o próximo ano, a equipa será liderada pela incansável Anabela Peixoto (uma vénia a ti, minha cara, pela cobertura de todas as minhas faltas e pela extensão do trabalho) e pela menina Olga Pereira. Esta dupla é uma aposta pessoal. A confiança é total. (Porquê?! É com cada pergunta!…)